Em um cenário em que o Pix segue crescendo exponencialmente, as perdas para instituições financeiras e consumidores devido a golpes relacionados ao pagamento instantâneo podem ultrapassar US$ 635,6 milhões (cerca de R$ 3,6 bilhões) no país em 2027. Em 2023, esse montante era estimado em US$ 359,6 milhões (algo em torno de R$ 2 bilhões). Os dados são de pesquisa feita pelo ACI Worldwide, companhia de software de pagamentos em tempo real, em parceria com a GlobalData, especializada em análise e dados mundiais.
Chamado de Fraude Scamscope, o relatório analisou seis dos principais mercados de pagamento em tempo real do mundo, seja em termos de volume ou medidas de combate à fraude: Brasil, Estados Unidos, Reino Unido, Índia, Austrália e Arábia Saudita. A estimativa é de que o prejuízo com golpes do Pix nestes países ultrapasse os US$ 6,8 bilhões (mais de R$ 38 bilhões) em 2027.
A análise considera as fraudes de transferência por pagamento autorizado, ou seja, quando criminosos coagem usuários a fazer, por conta própria, uma ou mais transferências para uma conta de destino sob seu controle. Isso significa que as projeções não abarcam todo o universo das fraudes financeiras.
Nos chamados golpes de Pix, explica a ACI, o mais comum é que os recursos saiam da conta do cliente de uma instituição financeira e passem por várias contas “laranja” antes de chegar aos fraudadores ou serem convertidos em ativos digitais difíceis de rastrear. Em muitos casos, o contato do golpista com a vítima é feito por meio de engenharia social em redes de mídia social, por telefone ou aplicativo de mensagens.
Outro levantamento da ACI mostra que as fraudes por meio de cartões também seguem em alta, mas em ritmo menor. Estimadas em US$ 545,5 milhões em 2023 (R$ 3 bilhões), elas devem chegar a US$ 853,2 milhões (R$ 4,8 bilhões) em 2027. Assim, as perdas com golpes de Pix, que em 2023 representaram cerca de 66% das relacionados a cartão, passariam a representar cerca de 74% em 2027.
Responsável pela área de inteligência de pagamentos e soluções de risco da ACI Worldwide, Cleber Martins afirma que o aumento dos golpes é explicado, de um lado, pela própria tendência de crescimento dos pagamentos instantâneos aqui e no mundo. De outro, os golpistas estão se beneficiando de um atraso no desenvolvimento de processos e ferramentas para detecção de transações fraudulentas. A companhia projeta que os valores de pagamentos instantâneos no país crescerão a um ritmo médio anual de 26% até 2027. Em 2023, as transações do Pix somaram R$ 17 trilhões.
O cenário coloca instituições financeiras e reguladores sob pressão, diz o executivo. “O mercado está atrasado em fazer um trabalho mais forte no controle do ‘know your customer’ [verificação do cliente]”, afirma Martins. De acordo com ele, com o avanço do Pix, as instituições passam a ter que se preocupar muito mais com a ponta de entrada do dinheiro na instituição, pela facilidade de pulverização desses recursos. “É importante que o banco que está mandando o dinheiro e o que está recebendo consigam conversar em tempo real durante a transação. Esse processo pode ser muito melhorado com inteligência artificial.”
Na visão de Martins, a participação do Banco Central (BC) é importante no processo de combate às fraudes, mas é fundamental que as instituições financeiras tratem o tema como prioridade e intensifiquem as ações em conjunto. “A gente tem que criar um senso de responsabilidade comum. Executivos que estão vendo isso acontecer têm que saber que é responsabilidade das instituições tomar medidas. Educação do cliente é importante, mas não vai resolver todo o problema”, afirma.
Ele acrescenta que a resolução conjunta 6 do BC, que entrou em vigor em novembro de 2023 e exigiu que instituições reguladas passassem a compartilhar informações sobre suspeitas de fraude entre si, foi um passo importante nesse processo.
O relatório mostra que os golpes de Pix mais frequentes no Brasil estão relacionados a compras: 27% dos participantes disseram que receberam pedidos de transferências como adiantamento do pagamento por um produto ou serviço e 20% receberam pedidos de transferência antes da compra de produto (20%).
Outros motivos lembrados foram pedidos para investir em um produto ou empresa (17%), para pagar uma fatura ou saldo devedor (10%), solicitação de transferências por alguém que fingiu estar em um relacionamento romântico com a vítima (7%), de pagamentos alegando ser uma pessoa ou organização confiável, como a polícia ou o serviço postal (7%) e outros (13%).
De acordo com o estudo, no total dos países analisados, três em cada 10 vítimas de golpe encerram as suas contas, o que acarreta consequências financeiras para os bancos.